domingo, 6 de setembro de 2015

O ciclo





   2h da manhã. Olhei para o ponteiro e o vi caminhando lentamente. Senti o frio da madrugada invadindo meu quarto. Tocando minha pele, arrepiando-a. Estava olhando para o teto, comecei a ver o universo girando e conduzindo este mundo. Pensei em como as pessoas agem umas com as outras. Oh! Que mundo cruel. Que abismo profundo. Estrelas vagam sozinhas e, ainda sim, permanecem brilhando por um longo período. Mas se olharmos para o céu escuro, veremos que não estão sozinhas, embora uma imensa escuridão esteja entre elas. Levantei da cama e fui à cozinha. Caminhei até o bar e busquei um gole de vodka. Era tudo que eu realmente precisava para aquecer meu corpo. Costumava ter outra opção para aquecer-me. Gostava quando tinha sua companhia, gostava do som que tinha nesta casa, gostava do cheiro de shampoo que tomava os cômodos quando saía do banho. Gostava das nossas brigas que, depois, faziam a nossa química explodir. Quando eu te agarrava pela cintura e te jogava na parede colando meu corpo ao seu, sentindo-o respirando. Nossos lábios uniam-se de tal maneira que a nossa volta não existia mais.

   3h da manhã. Oh, que noite fria! Muito fria. A bebida desceu garganta adentro queimando a carne interna a cada gole. Onde mora a saudade? Não sei, talvez, aqui nesta casa, nesta cozinha, nesta alma. Queria saber o motivo que a fez partir. Pois, ainda, é complicado ter que me acostumar com este silêncio perturbador. Agonizante. Agora sim, também, sinto falta das músicas altas que colocava quando estava limpando a casa. Suspirei. Olhei para a garrafa em cima da mesa e vi meu reflexo débil olhando-me. Meu corpo paralisou-se. É normal ter que me embriagar todas as noites? Afogar-me em lágrimas que cortam meu rosto. É normal ter que fugir de toda esta insanidade. Dizíamos um para o outro o quão éramos fortes. O quanto poderíamos aguentar qualquer coisa. Ah, se pudesse voltar no tempo. Sem dúvidas, iria dar um soco em meu rosto imaturo e acordar daquele maldito sonho.

   4h da manhã. Parei na janela e observei o céu em negrito. Olhei para as casas, quase todas com as luzes apagadas, os gatos miando e brincando ou em algum ritual de acasalamento. Novamente o mal venceu. Somos medíocres que apenas pensamos em nós mesmo. Somos filhos do egoísmo que alimenta nossos desejos, impedindo-nos de mudar nosso ser. Acolhemos nossos vícios dentro de nós mesmos. Esquecemos que a vida passa e, no fim, não sobra nada, apenas cacos de vidro, pó e cinzas. O tempo é relativo. Caí em uma estúpida alucinação. Meu corpo vagava pela noite sombria a procura de qualquer indício seu enquanto minha mente permanecia imóvel dentro de casa. Procurava por qualquer rastro, qualquer vulto que seja. Invadia as ruas, parando por esquinas e bares, em meio a conversas vazias e sem espírito. Sem paixão. Conquistava mulheres, saía com elas, mas no fim, acabava com perguntas na mente do tipo: quem você pensa que está enganando? Achas que vai encontrar uma substituta para sua luxúria? Para luxúria sim, para tapar o poço em meu peito talvez não. Trágico.

   5h da manhã. Voltei para onde nunca devesse ter saído. Pois, não é nada interessante ter uma vida resumida a isso. O ciclo novamente retorna ao seu lugar. Minhas mãos geladas e trêmulas fazem eu me sentir morto por fora e por dentro. O fracasso persegue-me como um lobo faminto e a única coisa que posso fazer é correr o mais rápido que posso. Caminhei pela casa, passei pela sala. Após meia garrafa, o álcool percorria em meu corpo, e eu percebia seu efeito. Senti vontade de chorar, mas não chorei. Senti vontade de fugir, mas não fugi. Senti vontade de morrer, mas não morri. Senti vontade de tê-la mais uma vez, mas não a tive. E agora? Fui subindo as escadas até chegar à porta entreaberta. Caminhei em meio à escuridão misturada com o leve brilho da lua cheia. Deitei na cama e adormeci.




   2h da manhã. Olhei para o ponteiro e o vi caminhando lentamente. Senti o frio da madrugada invadindo meu quarto. Tocando minha pele, arrepiando-a...

sábado, 29 de agosto de 2015

Do nada ao tudo.



   Tudo aconteceu de repente, sem planos, sem rota ou intenção. Foi ganhando espaço e conquistando uma harmonia nunca vista. As peças foram encaixando-se como um quebra-cabeça, que eu achava que era incompleto. A felicidade se tornou sólida, os sorrisos frequentes e, na sua ausência, a saudade incalculável. Com apenas simples momentos ao seu lado, pude ver o quanto estava envolvido. Parecíamos duas crianças que só queria brincar, inseparáveis. Seus carinhos, sua atenção, seus gestos cativaram e invadiram meu submundo até então inexplorado.

   Em um dia de cada vez aconteciam as surpresas. Confesso que as três palavrinhas que tantas pessoas dizem, não saíram instantaneamente, pois sabe que eu levo a sério as emoções e banalizá-las é algo contra meus princípios. Mas mesmo assim, estava lá vestida com a armadura do amor e declarando guerra as adversidades. Fez dele que era apenas uma pequena faísca tornar-se uma imensa chama capaz de iluminar. Não fui fácil, eu sei, mas você foi uma guerreira e lutou. Conquistou território, desbravou longos trechos e ganhou.

   Eu nunca tive as características que procurava em alguém, tampouco me importava em tê-las. Porém é só depois da tempestade que aparece o arco-íris e, enfim, um céu azul e um lindo dia.  Achei que você tinha virado minha vida de cabeça para baixo, mas logo percebi que antes ela que estava. Achamo-nos em meio à bagunça e a desordem sem importar-se com opiniões alheias e más intencionadas. Desse jeito que surgiu a semente do nosso amor, cresceu, floresceu e hoje nos presenteou com lindos frutos. Aprendemos juntos todas as lições que a vida coloca em nosso caminho. Choramos, rimos, sofremos e superamos dividindo sentimentos.

   Em seus lábios plantei milhares de beijos e em seu corpo descobri todos os segredos. Gravei seu perfume em minha alma e o guardarei até meu último dia. Minhas mãos sempre estarão coladas nas suas. Meus olhos sempre estarão em sua direção e meu coração sempre será seu.

domingo, 23 de agosto de 2015

Memórias Vivas





   A brisa que entrou pela janela é suave. Porém fria o suficiente para fazer minha pele se arrepiar por completo, calma o bastante para me trazer paz e forte na medida certa para resgatar lembranças. Estou sentado na poltrona do meu quarto enquanto a vejo deitada em sono profundo. Ouço sua respiração com um tom de tranquilidade tomar conta do local. É inevitável ignorar os rastros do passado. Fecho os olhos e lembro-me da primeira vez que nossos olhos se encontraram. Algo aconteceu ali!  Apenas não tive certeza. Abro a primeira gaveta do criado mudo e avisto uns papéis dobrados. São pequenos textos e poemas que escrevi anos atrás. Peguei todos e li um de cada vez.
   Dizem que o amor acontece quando menos esperamos, talvez seja verdade. E, quando acontece, a realidade torna-se fantasia, nossa volta transforma-se em um palco onde ocorrem diversas peças melancólicas e músicas que nos enchem de felicidade ou agonia.
   De repente, um cheiro de grama invade minhas narinas transportando-me para outro lugar. Um lugar que já estive. Quando escrevi meu primeiro texto, as páginas em branco me olhavam de um jeito convidativo e ao mesmo tempo impulsivo. Ao escrever as primeiras palavras, elas tinham importância, tinham vida, tinham sentimentos. Ao contrário do que eu pensava. Quando olhei para o lado – dentro da minha viajem ilusória – vi-a deitada em meus braços. Nossos corpos quentes e colados. Podíamos ouvir nossos corações batendo em sintonia. Passei os dedos em seu rosto corado, olhei-a nos olhos cor de escuridão e a beijei. Fizemos promessas, amarramos laços que, mesmo não sendo forte o suficiente, sobreviveram em meio às tempestades, ventos furiosos e muitas dores, entretanto chegou o arco íris, o frescor das árvores, os cantos dos pássaros, a poesia. 
   Seu rosto tinha uma expressão que eu decifrava de olhos vendados ou a quilômetros de distâncias. Seus dedos se enrolavam nos meus dançando como a Lua e as estrelas dançam em meio ao céu enegrecido. Deciframos sonhos, inventamos futuros improváveis.
   Fico imaginando como tudo se forma... Como as coisas ganham vida.
   Ainda posso sentir suas mãos caídas e macias tocando meu pescoço. Posso ouvir o som da sua risada de menina doce e descontraída. Que sensação! Uma avalanche de emoções invade meu peito no mesmo instante, como um punho cerrado, rasgando minha pele, descosturando cada centímetro de carne, atravessando meu coração e tocando minha alma.
   Uma lágrima cai.
   Abro os olhos e vejo que está tudo como antes. Respiro. Mexo no bolso da camisa e busco um maço de cigarros. Ascendo um. Vejo meu mundo cair aos pedaços, cada canto que eu olho está sendo destruído. Minhas memórias são jogadas para longe de mim. Minhas insônias me perturbam sem cessar.
   Ainda sentado na poltrona, dirijo meus olhos lacrimejados em direção à cama e... Vejo-a vazia.